A primeira vez que li Watchmen

Watchmen

Foi lá pelos quinze anos, na segunda tentativa de fazer o primeiro colegial (a primeira eu abandonei pra fazer cursos de desenho), que eu conheci Watchmen.

Sempre odiei os horríveis professores, preferia os gibis, dai matava aula na gibiteca da cidade. Mas andava meio ensimesmado com super-heróis, já tinha passado pela doutrinação esquerdista e via eles como “agentes do imperialismo americano”, então buscava coisas diferentes pra ler.

Foi quando achei, no meio de todas aquelas centenas de caixas de gibis da gibiteca, uma que se chamava Drama, onde tinha Skreemer, V de Vingança e Watchmen. Primeiro li V de Vingança, pois tinha a ver com anarquia, depois passei pra Watchmen.

Foi uma revelação, nunca tinha visto algo de tamanha complexidade, comecei a me achar um gênio, o descobridor de um tesouro. Sempre fui um cara extremamente arrogante, mas quando vi aquilo, era como se tivesse me tornado o adolescente mais inteligente do mundo, minha arrogância parecia fazer sentido, achei que ninguém conhecia aquilo, que eu era um arqueólogo encontrando a tumba de um antigo faraó. Eu levava uma tarde inteira pra ler cada uma das edições, e era aquela primeira da Abril, que veio em seis revistas, foi uma semana pra ler tudo.

Acontece que, semanas antes dessa descoberta, entre os dias em que eu frequentava a gibiteca, notei que havia uma garota que também matava aula pra ler gibis, uma japonesinha muito interessante da minha idade. Era de outro colégio, então ficava difícil pra mim, tímido do jeito que era, de chegar e tentar conhecer, mas como ela lia gibis, tomei coragem.

Cheguei junto da garota e fui surpreendido ao saber que ela não só era uma leitora, mas uma enciclopédia de quadrinhos, sabia tudo dos X-Men e da Liga da Justiça de cór, todos os personagens, poderes, uniformes, enredos, coisas que eu até tinha lido, mas como nunca fui de guardar muitas coisas na memória, não me lembrava. Eu começava a falar, mas logo ela me interrompia e me dava aulas de cronologia dos heróis, eu percebi que não tinha como impressioná-la, nem podia falar do “imperialismo americano”. Durante alguns dias tentei mostrar algo que ela não conhecesse pra tentar impressionar, debalde foi o esforço, não conseguia mostrar nada que ela não conhecesse melhor que eu, até Conan!

Dai lembrei de Watchmen e pensei que, sendo ela normalzinha,  alguém que só lia X-Men, Batman e mangás e como eu estava me achando o cara mais inteligente do mundo, leitor de uma HQ superior que só eu conhecia e entendia, achei que Watchmen era aquele algo especial que eu teria pra mostrar para conquistá-la.

Ela provavelmente nunca assistia aulas, sempre estava lá na gibiteca antes de eu chegar, um dia fui o mais cedo que pude e cheguei primeiro pra separar a caixa drama e Watchmen, certo de que ela não conhecia e ficaria impressionada com aquela obra de arte que tinha me feito chorar.

“Vou mostrar pra você um gibi diferente, você com certeza não conhece” e estendi aquelas seis edições volumosas, esperava passar a semana toda explicando as referências literárias, os simbolismos, os significados ocultos…

Ela pegou o gibi e começou a ler como qualquer outro, lia muito rápido, como quem lê um mangá sem texto (ela dizia que tinha feito um curso de leitura dinâmica e memorização), imaginei que ela tava só passando o olho, que depois ia ler, como as vezes fazia. Lembrei que eu tinha que fazer um trabalho de colégio pro dia seguinte, sai e fui resolver isso e deixei-a sozinha pra ler. Quando voltei, meia hora depois, ela já tava no fim da quarta revista! Fiquei chocado.

– Você ta lendo mesmo?

-Não me interrompa. Disse, sem tirar os belos olhos pretos do gibi e virando as páginas uma atrás da outra.

Sentei e fiquei fingindo que desenhava, não interrompi mais, em dez minutos ela terminou, sem esboçar nenhuma emoção, largou os gibis na caixa e não disse nada.

– Ah então você já tinha lido?

– Não, primeira vez que li.

Eu fiquei mais chocado ainda, ela tinha lido a maior obra de quadrinhos de todos os tempos, uma obra de arte!, em meia hora, como se lesse um gibizinho qualquer, enquanto eu tinha passado uma semana decifrando os significados e me emocionando. Eu achei que no mínimo ela levaria uns dois dias pra ler e que se emocionaria também e ficaria impressionada. Perguntei:

– E o que você achou?

-Legal.

– “Legal”??? Isso é uma obra de arte! Eu chorei lendo isso! E os textos que vem no meio?

– Eles são desnecessários, e por quê eu vou chorar? Isso é legal, mas é chato.

Eu me senti confuso, como ela não tinha se emocionado com aquela obra prima??? Isso era revoltante, fiquei um pouco irritado, guardei as obras de arte e peguei uns Conans e X-Mens, não falei mais em Watchmen. Ficamos lendo mais algumas horas, ela me explicou mais algumas coisas sobre a cronologia dos heróis e eu desisti de impressioná-la. Fomos embora, eu a levei até o ponto de ônibus.

Ainda a encontrei algumas vezes na leitura de gibis e conversávamos bastante sobre os heróis, um dia ela interrompeu a conversa e disse que nunca tinha beijado um cara. Depois desse dia sumiu, fui a escola dela e não a encontrei, fui muitas vezes a gibiteca, perguntei por ela, mas ninguém sabia, eu não tinha ideia de onde morava, nunca mais a vi.

Essa foi a primeira vez que li Watchmen.

5 comentários

  1. Li Uótxyméin nos anos 80, com 21, 22 anos. Não achei essa coisa toda, não.
    Fui reler agora. Não passei do volume sete.
    Preciso concordar com a japonesinha: é CHATO.

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